Faz pouco tempo, foi lançado nos Estados Unidos um livro chamado “The dumbest generation” (“A geração mais burra”), do professor universitário de inglês Mark Bauerlein.
Baseado em várias pesquisas — de órgãos do governo, consultorias e instituições educacionais —, o livro chega a uma conclusão terrível sobre a juventude americana: ela não lê, não acredita no trabalho, não visita museus e outras instituições culturais e sequer consegue explicar métodos científicos básicos ou saber algo de História. “Mas são campeões em entreter-se uns aos outros”, diz um texto no site do autor. “Passam uma inacreditável quantidade de tempo trocando eletronicamente historinhas, fotos, deliciando-se com a atenção de seus pares…”
No começo deste ano, uma pesquisa na Inglaterra mostrou que quase 90% dos estudantes começam uma pesquisa por uma ferramenta de busca em vez de ir a um site de biblioteca. E, quando pesquisam livros e jornais eletrônicos, eles não ficam nos sites mais do que oito minutos.
Professores brasileiros também se preocupam
Professores e pedagogos brasileiros também se preocupam com essas constatações, percebendo que a internet, se por um lado é uma fonte valiosa de informação, por outro apresenta uma desorganização intrínseca que acaba levando à dispersão e deixando de fomentar o espírito crítico. Isso começa na escola e atinge até a universidade, onde a indústria dos trabalhos prontos se transferiu para a rede, como se viu em artigo publicado pela “Digital” na semana passada. Mas vai além do meio acadêmico. Já começa a afetar a busca por jovem profissionais que chegam ao mercado, como atesta a psicopedagoga Heloísa Yoshida, diretora da Sistêmica Desenvolvimento de Pessoas, no Rio.
"Eu oriento carreiras de executivos e jovens vestibulandos e universitários", conta Heloísa. "E há reflexos dessa geração conectada, chamada geração Y (que nasceu a partir de 1980), dentro do mercado. Quando entrevisto candidatos a emprego para empresas, vejo muitos problemas. Por exemplo, as empresas buscam pessoas criativas e com iniciativa. E como um jovem que se formou como “pensante” na base do copy/paste no computador pode apresentar essa postura?".
Heloísa explica que, ao contrário da geração anterior, a atual não aprendeu a construir e estruturar o conhecimento, daí a carência de pensamento original na nascente vida profissional.
"A característica da geração atual é o conhecimento descartável", sentencia. O livro do Bauerlein é sobre o jovem americano, mas é para a juventude americana que o mundo olha, até em função do cinema. Portanto, a geração de que ele fala está em todo lugar. "Faltam clareza e transparência na comunicação da geração Y".
O acúmulo de conhecimento, sem construção, também leva à falta de assertividade. Que por sua vez causa uma capacidade capenga de comunicação.
"Faltam clareza e transparência na comunicação da geração Y", diz Heloísa. "A vida dependente da tela do computador leva a isso".
Ela diz que num concurso para trainee em empresas privadas, de seis mil candidatos saem cem, se tanto, para o processo de seleção. E aí o talento individual faz mais diferença.
Para Maristela Memere Riski, assessora pedagógica do Colégio Logosófico, em Botafogo, é preciso lembrar que a juventude, em todas as épocas, sempre foi criticada.
"Outro dia, num congresso, li para os professores algumas palavras, dizendo que a juventude é irascível, não respeita a autoridade, não tem medida… Perguntei-lhes se achavam a frase atual, e eles concordaram. Mas é de Aristóteles, de 300 anos antes de Cristo", comenta. "Isto posto, a questão da cópia é um fato. Os pais chegam nos dizendo que os filhos nem lêem as coisas direito, só copiam e colam, copiam e colam".
Bauerlein citou num chat recente algumas razões por que a geração Y parece perdida:
1) Alienação. “Não é que eles não estejam interessados na realidade, é que eles estão totalmente separados dela. Só querem saber de realidades imediatistas”.
2) Falta de leitura. “Nenhuma outra geração se gabou disso como a atual”.
3) Incapacidade de soletrar. “A falta de maiúsculas e os códigos de escrita para mensagens instantâneas dominam os textos online”.
4) Os jovens são ridicularizados pelos pares por pensarem de forma original.
5) Excesso de games, que acaba prejudicando a vida letiva.
6) Incapacidade de memorizar a informação. “Para quem tem 40 anos e freqüentou bibliotecas na juventude, a internet sem dúvida é um manancial de informação. Não para o jovem de hoje, que usa a internet como um sistema de entrega, recebendo a informação e passando adiante”.
7) Os professores não dizem aos jovens que eles são burros. E os pais não brecam as mensagens instantâneas de madrugada.
Para professora, orientação é que norteia resultados
Nem todo mundo acha que copiar informações representa um problema em si. Tudo depende da orientação que é dada. Essa é a opinião da professora de História Dalva Sartini, supervisora pedagógica do Colégio Liessin.
"A intenção do professor é que vai nortear o resultado de uma pesquisa", diz Dalva. "Ele precisa saber o que pedir e orientar corretamente o aluno. O que o professor deseja? Apenas uma coleta de informação para embasar determinado assunto ou fazer um trabalho em grupo? Nesse contexto, a cópia sempre existiu, inclusive antes da internet. Agora, se deseja uma interpretação, uma inferência sobre o que se pesquisou, deve pedir que o aluno elabore".
Dalva diz que a cópia é a primeira coisa a fazer em qualquer pesquisa, mesmo em níveis de ensino mais altos. Trata-se do ponto de partida para a organização das informações para análise posterior.
"O que acontece muito no ensino médio é que o professor não pede uma elaboração do aluno, mas quer que isso apareça na mão dele", explica Dalva.
O problema, então, pode estar mais atrás, na própria formação dos professores. E isso sem falar no desestímulo para exercer a profissão, uma das mais sacrificadas e desvalorizadas no país.
Maristela Riski diz que, em seu colégio, os alunos têm suas pesquisas, feitas no laboratório de informática, devidamente registradas.
"E, embora haja cópia e colagem de informações, eles precisam elaborar, porque é norma que apresentem os resultados da pesquisa", explica. "É necessário mostrar o que foi processado. Além disso, nestes tempos em que a propriedade intelectual é constantemente tomada, buscamos mostrar que isso não é correto e ensinar valores éticos, debatendo-os".
Ela exige que os sites usados na pesquisa sejam devidamente citados, assim como a bibliografia tradicional. E também orienta os professores para fomentar os procedimentos certos durante a navegação.
"É preciso lembrar que informação ainda não é conhecimento", diz Maristela. "E isso tem de vir do colégio para a vida do jovem".
Professora acha que alunos ainda tem muito a ensinar aos mais velhos
Pessoalmente, ela não vê um declínio do raciocínio dos estudantes, e acha que, pelo contrário, eles podem ter muito a ensinar aos mais velhos, justamente por serem mais proficientes no uso da tecnologia. Também acredita que a internet estimula a vontade de escrever mais, emoticons, códigos e afins à parte. O que falta, mesmo, é a direção, o chamado knowledge management, ou gerenciamento da informação.
"Tentamos incentivar a ida à biblioteca, inclusive para os professores, e eles pedem aos alunos que pesquisem em livros também, não somente na rede".
A lida diária com a internet, que ocasiona a informação “empilhada” e efêmera, acaba prejudicando a geração Y no mercado de trabalho, explica Heloísa Yoshida.
"O conhecimento não é sempre um fator de contratação hoje, porque é possível capacitar alguém em alguns meses para determinada função", diz Heloísa. "Mas o comportamento é um fator fundamental, e justamente por estar conectada com o computador e não com a realidade a geração Y perde nesse quesito. E isso tem a ver com a comercialização e massificação do ensino. Os professores perderam a autoridade e isso se reflete no comportamento dos jovens. Faltam limites".
Hoje, explica, os trabalhos de escola são feitos às dez horas da noite da véspera da entrega: copia-se, cola-se, imprime-se e entrega-se.
"Cabe ao professor orientar, não aceitar isso e mandar refazer".
Dalva Sartini lembra que fazer uma pesquisa é fazer uma pergunta. E que, num primeiro momento, o professor tem que fomentar esta pergunta no espírito dos alunos, direcionando-os para as respostas e estimulando seu raciocínio. Com o passar do tempo, assim, eles aprenderão a fazer as próprias perguntas e encaminhar para as trilhas certas suas investigações.
Fonte: O Verbo