Ativista ateu diz que a menção a Deus exclui não-religiosos. Corte vai julgar pedido para retirar ‘com a ajuda de Deus’ do texto.
Uma das instituições mais tradicionais da posse dos presidentes norte-americanos pode ser mudada neste ano.
Diferentemente do que aconteceu com os outros líderes do executivo do país, quando Barack Obama assumir o cargo, no próximo dia 20, ele pode não repetir a expressão “So help me God” (algo como “com a ajuda de Deus”, em tradução livre), que sempre conclui o juramento formal de posse.
Isso vai ser decidido nesta quinta-feira (15), quando uma corte distrital da capital vai julgar o pedido do advogado Michael Newdow, ativista ateu que busca tirar referências religiosas de práticas do governo do país. Segundo ele, com a menção a Deus, incluída pela Suprema Corte, os cidadãos de outras crenças são excluídos do discurso que deveria ser representativo de toda a população do país.
“Decidi fazer isso porque acredito profundamente na igualdade. Acho que não há igualdade quando o governo toma uma decisão que envolve escolhas religiosas”, disse, em entrevista ao G1, por telefone. Se depender dele, o juramento vai se encerrar na menção à Constituição, sem falar em religião.
Tradição
O texto do juramento diz: “Eu solenemente juro que vou executar fielmente o cargo de presidente dos Estados Unidos, e vou fazer o possível para proteger, preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos”. Ele fez parte da posse de todos os presidentes, e a tradição diz que o primeiro líder do país, George Washington, teria incluído a menção a Deus no final, em 1789.
Por mais que se questione atualmente a falta de provas de que Washington tenha se referido a Deus, muitos defendem a conclusão como parte da tradição política do país. Newdow, entretanto, discorda do argumento e acusa a tradição de ter elementos nocivos para a sociedade.
“Este argumento da tradição já serviu para dizer que era tradição manter brancos e negros em lugares separados nos ônibus, ou dizer que as mulheres não podiam trabalhar. Muitas tradições são nocivas, e precisam ser analisadas para poder respeitar os direitos civis, independentemente do que dizem a história e a tradição”, disse.
Outras mudanças
Nessa linha, o pedido legal para mudar o juramento é só um dos processos de que Newdow é autor. Se depender dele, os Estados Unidos também vão tirar a expressão “Em Deus nós confiamos” das cédulas de dólar, e mudar também o texto do pledge of allegiance, juramento de lealdade à nação, que ganhou menção a Deus ao longo dos tempos.
“Nosso país foi construído sobre uma ideia de que o governo deveria ficar de fora, separado da religião. Foi um invenção maravilhosa. É um absurdo que uma declaração modelo do nosso país inclua uma menção religiosa que exclui boa parte dos seus cidadãos”, disse.
Por mais que alegue que seus processos pedem apenas o cumprimento do que está definido na Constituição, Newdow admite que é muito pouco provável que a Justiça do país aceite a mudança e retire as menções a Deus do governo. “Não posso dizer o que vai acontecer. Acho difícil ser aprovado, pois é mais fácil eles ignorarem e não levarem a sério de que seguirem a Constituição”, disse.
Religião
Newdow tenta deixar claro que sue problema não é a religião, que ele diz defender com tanta força quanto seu direito ao ateísmo. Igualdade acaba sendo a palavra a que sempre volta enquanto explica seus pedidos de mudança. “Não estou indo contra a religião, apenas quero que o governo não assuma nada relacionado a religião em meu nome. Se o juramento de posse do presidente dissesse que Deus não existe eu também defenderia a mudança em respeito aos que acreditam”, disse.
Na entrevista, ele contou que recebe muitos e-mails xingando-o e que normalmente responde a essas pessoas explicando quer que o governo trate e todas as pessoas e crenças de forma igualitária. Segundo ele, as menções religiosas do governo evidenciam um preconceito sofrido pelos ateus no país.
“Pesquisas apontam que 30% da população norte-americana diz achar que os ateus são imorais. Um vizinho já falou para o filho não brincar com minha filha porque eu sou ateu. Tem gente que perde dinheiro por isso, perde emprego, há uma perseguição real”, disse. “Defendo o direito de as pessoas acreditarem no que quiserem, mesmo no criacionismo, e acho que eles podem tentar convencer o máximo de pessoas que quiserem. Mas devo ter o direito de não acreditar, se quiser.”
Segundo ele, parte da sua função descrita pela mídia como “ativista do ateísmo” é de agitador. “O que faço é similar ao Monstro de Espaguete Voador (sátira ao criacionismo que diz que Deus é o referido monstro), no sentido de tentar abrir os olhos das pessoas para o lado ridículo de acreditar em Deus. Minha questão jurídica, entretanto, é diferente. Estou tentando garantir o meu direito de não acreditar em Deus e de que o governo trate a todas as religiões de forma igualitária. Não me considero um ativista do ateísmo, defendo a igualdade.”
Fonte: O Verbo