Desde O código da Vinci, polêmico livro de Dan Brown lançado em 2004, a memória de Maria Madalena não teve mais sossego. Apontada como amante de Jesus Cristo na obra ficcional, a discípula, que era uma de suas mais próximas seguidoras – segundo o Novo Testamento, ela esteve com ele ao pé da cruz e foi uma das primeiras a testemunhar a ressurreição do Mestre – já “ganhou” até filhos no imaginário literário.
E o pai, especulam, teria sido ninguém menos que o Filho de Deus. Embora não haja qualquer indício bíblico de que os dois tenham tido qualquer proximidade amorosa, tais suposições, que já vêm de muitos séculos, ganharam corpo nos últimos anos, através do estudo de textos apócrifos, e foram alimentadas por uma boa dose de imaginação, interesses e conflitos entre organizações religiosas.
Pois agora especialistas nas Escrituras têm trazido a público novos elementos capazes de refutar definitivamente a tese do romance. “Os textos que mencionam esse tipo de envolvimento entre Madalena e Jesus foram escritos pelo menos 100 anos depois dos evangelhos bíblicos”, aponta Ben Witherington III, especialista em Novo Testamento do Seminário Teológico Asbury, nos Estados Unidos. E a intenção de tais autores seria justamente combater visões mais ortodoxas do Cristianismo, então em fase de franca expansão. A maioria dessas fontes foi escrita em grego ou em copta, língua egípcia falada durante o período romano.
Uma das mais conhecidas é o Evangelho de Filipe, escrito extra-bíblico provavelmente compilado no século 3 da Era Cristã – portanto, não escrito por nenhum contemporâneo de Jesus – e que fala até em beijos entre o suposto casal. Todos esses textos compartilham a teologia gnóstica, baseada numa espécie de revelação secreta e esotérica. Com isso, Maria Madalena passou a ser usada pelos gnósticos como um símbolo do “conhecimento verdadeiro” que teriam de Jesus, e como a verdadeira predileta de Cristo, da qual eles seriam seguidores. Esse aspecto polêmico e tardio de tais textos torna bastante improvável que haja em seu conteúdo alguma memória histórica envolvendo a Madalena real. Inclusive, o gnosticismo era combatido pela comunidade do Cristianismo, que seguia os ensinos de apóstolos como Pedro e Paulo.
“Pesquisas sem seriedade” – Mas quem foi Maria Madalena? Além do que se diz dela na Bíblia, particularmente no Evangelho de Lucas, a tradição afirma que, devido ao nome por que era conhecida (Magdalini, em grego), ela provinha de Magdala, vilarejo de pescadores a noroeste do Mar da Galiléia. Provavelmente, começou a seguir Jesus depois que ele expulsou dela sete demônios – fato que, segundo os historiadores, colaborou para disseminar sua imagem de “pecadora arrependida”. Ao contrário de muitos rabis de seu tempo, Jesus era seguido também por mulheres. “Duas das qualidades extraordinárias de Jesus são o fato de que ele recrutava seguidores de ambos os sexos”, continua Witherington. Além de Madalena, havia Maria, mãe de Jesus; outra Maria, mãe de Tiago; Maria de Betânia, irmã da Marta e Lázaro; além de Joana, Suzana e outras. Contudo, é fantasioso imaginar que alguma delas tenha tido papel de destaque em seu ministério.
Todavia, a cultura judaica da época impedia que as mulheres ensinassem ou mesmo falassem em público. É certo que o grupo feminino acompanhava a comitiva para suprir necessidades básicas como alimentação e abrigo, inclusive com seus bens. O fato seria considerado escandaloso pelos judeus do século I, para quem as mulheres deveriam ficar em casa com seus maridos e, quando viajassem, teriam de ser acompanhadas por parentes do sexo masculino. Daí teriam surgido as insinuações de uma relação mais próxima entre Jesus e a mulher de Magdala – hipótese rechaçada pelo padre John P. Meier, professor da Universidade de Notre Dame, em Indiana (EUA) e autor dos livros da série Um Judeu marginal: “Embora o Novo Testamento cite claramente a família de Jesus, como seus pais e irmãos, não há nenhuma referência de que ele tenha tido filhos ou mesmo se casado”, lembra, embora o casamento fosse considerado quase uma obrigação religiosa no primeiro século. Para Meier, Jesus manteve-se celibatário como sinal do compromisso exigido por sua missão.
A historiadora e arqueóloga Fernanda de Camargo-Moro, autora do livro Arqueologia de Madalena (Editora Record), lembra que as mulheres de então eram conhecidas pelo parentesco com alguma outra pessoa – normalmente, o marido, cujo nome era associado ao delas. “É possível até que ela nem tenha se casado com ninguém, já que sua alcunha é uma mera referência ao lugar onde nasceu”, opina. “Concluir que Maria Madalena era casada com Jesus é resultado de pesquisas superficiais e sem seriedade”, conclui.
Fonte: Cristianismo Hoje