O engenheiro Aarão Reis (1853/1936), chefe da comissão construtora de Belo Horizonte, não imaginou que a primeira cidade planejada da América Latina pudesse chegar aos 110 anos com um trânsito tão caótico quanto o que tira do sério, todas as manhãs, milhares de motoristas e passageiros que enfrentam os constantes congestionamentos até o local de trabalho.
A situação também é lamentável na volta para o lar. A retenção nas vias públicas prejudica a saúde dos moradores, causando estresse e outras doenças, e pesa no bolso das pessoas, pois aumenta o gasto com combustível e desgasta peças dos veículos. O Estado de Minas acompanhou o sofrimento de cinco moradores em seus trajetos diários por tormentosos corredores da capital: Antônio Carlos, Nossa Senhora do Carmo, Pedro II, Raja Gabaglia e Cristiano Machado.
O técnico em contabilidade José Geraldo Barbosa, de 34 anos, gasta 25 minutos para percorrer apenas o trecho de 1,3 quilômetro da Cristiano Machado entre o cruzamento com a Avenida Sebastião de Brito, no Bairro Dona Clara, e o viaduto do Anel Rodoviário. “O jeito é ter muita paciência”, desabafa. Ao todo, ele fica quase uma hora e meia dentro de seu Palio durante os 22 quilômetros que separam sua casa, no Bairro Maria Helena, no Venda Nova, até a empresa em que trabalha, no Bairro Serra, na Região Centro-Sul. Segundo a BHTrans, cerca de 80 mil veículos passam todos os dias pela via. O transtorno se deve, principalmente, às obras de revitalização do Túnel da Lagoinha e da Linha Verde, que, depois de prontas, irão beneficiar o trânsito no corredor.
A lentidão na Cristiano Machado e em outras avenidas obriga os motoristas a usar somente a primeira marcha em vários trechos. Irritados, muitos se manifestam cravando as mãos na buzina e reclamando da ineficiência do poder público para resolver o problema. Outros condutores, na ânsia de recuperar o tempo perdido, atrapalham ainda mais o trânsito: avançam o semáforo vermelho, fecham cruzamentos e fazem conversão em local proibido.
O relato do taxista Emerson Glayson Pereira, de 35, e que há 12 trabalha na praça de BH, ilustra bem o tamanho do prejuízo: “Duas corridas pelo mesmo trajeto, se feitas em horários diferentes, podem ter preços também diferentes. Mesmo parado no congestionamento, o taxímetro continua rodando.” O caótico trânsito da capital também causa problemas de saúde. “Uma das referências para medir a qualidade de vida é o tempo gasto de casa ao trabalho. Em BH, os congestionamentos têm pesado muito na vida psíquica dos moradores, que chegam cansados no serviço. O estresse constante pode expor a pessoa a outros problemas, como úlcera”, alerta a psiquiatra Gilda Paoliello, da Associação Médica de Minas.
O empresário George Farney Santos Gomes da Silva, de 31, diz que já ficou várias vezes estressado. Nem mesmo o conforto de seu Corola alivia o tormento durante a viagem de uma hora entre sua residência, no Bairro Castelo, na Pampulha, e o seu escritório, no Bairro Floresta, na Região Leste. “São apenas 13,1 quilômetros para todo esse tempo. É difícil. O trânsito caótico de BH deixa qualquer um louco”, reclama. Vários fatores, além da ineficiência do poder público em resolver o problema, explicam os constantes congestionamentos na capital, como o aumento da frota, que saltou de 655.227 veículos, em 1999, para 1.064.704 em maio. O Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran) emplaca cerca de 500 unidades diariamente no município.
Esse crescimento se deve, principalmente, ao aquecimento da economia e à queda dos juros, com conseqüente redução no valor das parcelas do financiamento. A geografia do município, com quarteirões pequenos e vias estreitas, também contribui para o triste cenário, pois o fluxo nos principais corredores é interrompido pelos vários cruzamentos. De acordo com a BHTrans, há 768 interseções semaforizadas na cidade. A quantidade de obras viárias também reflete na baixa velocidade. Apesar do sofrimento de motoristas e passageiros, a empresa que gerencia o trânsito da capital não tem dados que revelem o tamanho do congestionamento diário.
“A BHTrans deve estar mais preocupada com a cota de multa que os agentes têm de cumprir para que tenham direito a folga no fim de semana”, ironizou um dos motoristas acompanhados pela reportagem. A crítica se refere à denúncia, feita por um fiscal da BHTrans, há duas semanas, de que os colegas que fiscalizam o estacionamento rotativo eram premiados com a folga em sábado do mês se autuassem 18 veículos por dia. O Ministério Público Estadual (MPE) já instaurou processo para investigar a acusação. A empresa, por sua vez, divulgou nota esclarecendo que a cota mínima não é mais cobrada dos funcionários.
Acompanhe também o trajeto do taxista Emerson Glayson Pereira, de 35 anos, e do motorista Wanderson Daniel Silvério, de 21.
A BHTrans informou que, para reduzir os congestionamentos, incentiva “o uso do transporte público, como integrações tarifárias e meia-tarifa no segundo deslocamento; (implantou) o Controle Inteligente de Tráfego (semáforos sincronizados); (realiza) operação de trânsito, intervenções viárias de grande porte, como o alargamento da Avenida Antônio Carlos e as obras no Complexo da Lagoinha; (além da) elaboração de projetos para o incentivo ao uso de meios de transporte não poluentes como a bicicleta e a revitalização de calçadas no Centro para incentivar o modo a pé”.
Fonte: Uai