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Gospel

Praia dos evangélicos, uma praia onde ninguém usa biquíni

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Dominada por uma igreja evangélica há mais de mais de 70 anos, a praia do Provetá, em Ilha Grande, litoral do Rio de Janeiro, permanece intolerante aos trajes de banho. Mas os moradores mais jovens querem mudar essa história. Há até uma garota que sonha seguir carreira de modelo.
É difícil imaginar uma praia paradisíaca onde as pessoas não vestem biquíni, maiô ou sunga para se banhar no mar. Em Provetá, na Ilha Grande, litoral do Rio de Janeiro, é assim. Ninguém usa traje de banho, é proibido ingerir bebidas alcoólicas, fumar cigarro ou frequentar bailes. À noite e nos finais de semana, o lazer se resume aos cultos na igreja evangélica Assembléia de Deus. Ali os moradores aprenderam a viver sem as marchinhas de carnaval e as noitadas em bares. A praia é a segunda mais populosa da ilha, com 3.000 moradores, dos quais 80% evangélicos. A tradição evangélica é passada de pai para filhos há mais de 70 anos.
Em Provetá as pessoas só entram no mar de roupa e o único bar que funciona na praia é vigiado pela comunidade evangélica. Esse também é um dos motivos pelos quais poucos turistas se aventuram por aquelas paisagens. A sobrevivência da comunidade vem da pescaria de sardinhas e das mãos firmes do pastor Eliseu Benedito Martins, de 63 anos, nascido ali mesmo. Até a década de 1990, ele proibia que os moradores assistissem à TV. A intransigência acabou expulsando muitos jovens da igreja – e o pastor Eliseu passou a rever suas regras. Hoje, além de perder fiéis para as tentações que existem além da praia, ele tem perdido parte do rebanho para outra igreja, a Congregação Cristã, que também ergueu seu templo em Provetá.  

A estudante Jussara Souza, de 13 anos, é evangélica da Assembléia. Filha de pais evangélicos, ela nasceu em Angra dos Reis e se mudou para Provetá com a família quando tinha apenas um ano. É domingo e, sob um sol de 30º C, Jussara está de vestido de malha longo, florido, pronta para assistir ao culto na Assembléia. “Não tenho inveja das minhas amigas que usam biquíni e vestidos curtos, mas gostaria de ter mais liberdade e usá-los algumas vezes”, diz Jussara. Mesmo sendo obrigada a seguir à risca as restrições impostas pelos pais, a garota diz que consegue ter sua vida social – e que até gostaria de ser modelo. “Eu teria que sair daqui para conseguir ser modelo, mas esse é o meu sonho”, afirma. Jussara é vaidosa, gosta de arrumar o cabelo, colocar vestidos alegres e não dispensa o biquíni (por baixo da roupa) quando entra no mar. “Nos finais de semana nos divertimos na praça e nas lan houses”, diz.
Enquanto não consegue entrar para a carreira que seus pais desaprovam, Jussara vai uma vez por semana com a mãe para o continente. Apesar de a viagem ser longa, ela não diz que não se cansa e nem se sente mal com o balanço do mar. Quando desce no porto de Angra dos Reis, olha para todos os lados com curiosidade, respira outros ares e aproveita para sonhar um pouco mais com o futuro nas passarelas. Enquanto passeia no calçadão, observa atenta às vitrines que exibem roupas da moda e os sapatos de salto. Jussara tem amigas fora da comunidade evangélica, como Luana Castro, de 14 anos, moradora de Provetá que é católica e não segue o rigor dos preceitos da Assembléia de Deus. “Quando coloco o biquíni, fica todo mundo me olhando – e eu fico com vergonha, me sinto mal”, diz Luana. “Algumas meninas não gostam de mim. Elas parecem ter inveja das roupas que uso”. Os poucos católicos que moram em Provetá fazem suas orações em outras praias – ou em casa. Mesmo quem não é evangélico evita usar roupas de banho. 
Nem sempre foi assim. No início, Provetá era uma comunidade católica. A evangelização chegou com um casal que morava no continente, Deoclécio Neves e Helena Martins das Neves. Naquela época, a travessia era feita em canoas em alto mar. Nos primeiros tempos, os cultos eram nas casas dos pescadores. “Provetá fica em uma área bem isolada da Ilha Grande, que é banhada por mar aberto. Quando as águas estão revoltas é complicado chegar lá”, diz Otto Fiúza Nogueira, gerente de projetos de marketing da Prefeitura de Angra dos Reis. Para ele, o isolamento contribuiu para fixar uma comunidade tão fechada. A luz elétrica só chegou em julho de 2001, quando o então governador Anthony Garotinho, também evangélico, resolveu eletrificar a praia. A luz chegou depois às casas dos católicos. Há quem diga que a decisão foi proposital, como uma forma de demonstrar que os não-evangélicos de Provetá vivem nas trevas. É o caso de perguntar se os “iluminados” são os que vivem sem bebida alcoólica, biquíni, música e balada.
 

Fonte: Revista Época

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